espelhos
i.
Faz dois anos tive um sonho em que eu carregava pra cima e pra baixo um espelho gigantesco, muito muito maior do que poderia suportar. Estava num jardim muito verde, fora de uma casa grande. O espelho era sem bordas e redondo. No frame mais nítido que eu recordo, eu seguro o espelho (que nunca era virado pra mim mesma, eu não via nunca o meu rosto refletido) e nele aparece o reflexo de muitas pessoas que eu não conhecia - principalmente crianças. Um mundaréu de corpos desconhecidos refletidos num espelho que eu segurava nas mãos. E crianças, muitas crianças. Tentava ver meu rosto, mas era impossível.
ii.
O mito grego de Narciso conta que ele, ao reclinar-se para beber água num lago, vê a própria imagem refletida no espelho e apaixona-se pela imagem que vê, apaixonando-se, consequentemente, por si mesmo.
iii.
Oxum é orixá das águas doces dos rios e cachoeiras e carrega um espelho dourado e redondo em uma das mãos.
Palavras da pensadora Carla Akotirene: “Tratar Osun como sereia das águas doces, narcisista, deusa vênus, portanto europeia, faz parte das cosmovisões etnocêntricas que não refletem a centralidade do pensamento cosmosentido com cinco búzios abertos, orikis e espiritualidade do povo yorubá […] Osun é africana, usa o espelho para olhar os outros as suas costas. No rio, Osun guarda o mundo das mulheres […] Narciso morre em nome de si. Osun vive em nome das outras”.||||||||||||
iv.
parte dos @estudospararetirada